Seja em Guimarães Rosa, Monteiro Lobato ou Benedito Ruy Barbosa, a onça-pintada —maior felino das Américas e terceiro do mundo atrás do leão e do tigre— é destaque na literatura brasileira há décadas. Milhares de turistas brasileiros e estrangeiros visitam o Pantanal atrás de suas pegadas, fincando a maior planície alagável do mundo no mapa dos principais safáris fotográficos.
Das páginas dos livros, a onça-pintada saltou para as redes sociais.
Maior planície alagada do planeta, o Pantanal desponta como o local mais propício do mundo para avistar a onça-pintada, apesar de a região não ter a maior população do felino —este título é da região Amazônica, mas sua floresta dificulta a observação do animal.
Em Mato Grosso, Porto Jofre se destaca como uma das áreas com maior densidade do felino no planeta, e com mais de 300 animais já catalogados por especialistas.
Quem flagrar uma onça nunca observada antes ainda tem a chance de, confirmado o avistamento inédito, batizar o animal. Todas elas têm manchas diferentes umas das outras —ou seja, suas pintas são como as digitais humanas e as diferenciam, ainda que a distância pareçam iguais.
Estima-se que o turismo da onça, que em 2015 movimentava US$ 7 milhões anuais para a região de Porto Jofre, tenha superado US$ 10 milhões nesse ano, com uma oferta de leitos 40% maior que antes da pandemia.
Quem faz os cálculos é o pesquisador Fernando Tortato, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e da ONG Panthera. Hoje, são mais de 15 pousadas, sem contar as ofertas turísticas em Mato Grosso do Sul. Há dez anos, não chegavam a cinco.
“Isso contribui para a preservação”, diz Tortato.
Para chegar a Porto Jofre, em Mato Grosso, há duas opções. Na primeira, o turista pode acertar já na ida, com uma agência de turismo ou com a pousada em que vai se hospedar, o transporte para chegar ao local de estadia.
Na outra, a sugestão é reservar antecipadamente um carro 4×4 ou um utilitário esportivo. Neste caso, é fundamental completar o tanque no posto de gasolina em Poconé, pouco antes do início da Transpantaneira.
A rodovia, cujo nome oficial é MT-060, tem pouco mais de 140 quilômetros de extensão de terra e dezenas de pontes, em sua grande maioria feitas de madeira. Por isso, é uma estrada que exige que a viagem seja feita à luz do dia, com calma (para fotografar) e cuidado redobrado.
Também é recomendável comprar bolachas e bebidas antes, em Cuiabá, já que ao redor da Transpantaneira não existe comércio, apenas o oferecido pelas pousadas locais (cuidado também para não perder o carregador de celular ao parar em uma das pontes para tirar fotos, como fez este repórter).
Toda a dificuldade é recompensada pela beleza da paisagem, pelos tuiuiús, tucanos, araras, jacarés, emas e tatus que andam à solta pelas fazendas ao redor.
A temporada mais propícia para a visita é a da seca, que ocorre entre maio e novembro, por conta da estrada e das condições para participar dos passeios ao ar livre. Ainda que não seja inverno, é preciso se agasalhar —faz frio no Pantanal no início dos dias.
Durante a estiagem é mais fácil avistar os animais e atravessar as estradas de terra. A maioria das hospedagens oferece pacotes de três noites de estadia.
E, não, não é muito tempo para ficar por lá: quanto mais dias o turista passa hospedado, mais crescem as chances de avistamento de onças, porque serão feitos mais passeios. Além disso, o Pantanal é uma das regiões mais bonitas do Brasil. Assistir à revoada de pássaros no amanhecer ou ao entardecer à beira de um dos rios que cortam a região vale a pena, ainda mais sem ansiedade.
Há dezenas de opções de estadia ao longo da Transpantaneira, que se inicia em Poconé e se estende até Porto Jofre, mas, como a estrada já é uma aventura, quanto mais perto de Porto Jofre, mais fácil fica passear. Isso é importante principalmente em viagens com crianças.
A maior população de onças está no parque estadual Encontro das Águas. Para avistar os felinos, as pousadas oferecem passeios de barcos pelos corixos (pequenos trechos fluviais) ao redor do parque. Os passeios podem durar de quatro horas a oito horas, e são iniciados geralmente quando o dia amanhece.
É bom também checar se nas embarcações há remos e rádio, porque os passeios são feitos em locais ermos —o socorro pode demorar a vir, caso necessário.
Os pequenos barcos, que podem acomodar de seis a 15 passageiros, são pilotados, geralmente, por guias com rádios, que ficam trocando informações se há algum local em que se avistaram onças. Quando a informação chega, os barcos rumam até lá.
Em alguns momentos, mais de dez embarcações se posicionam a alguns metros de distância de uma das onças que ali habitam. Ouvem-se os flashes de câmeras. Com sorte, é possível ver uma onça caçando ou com filhotes.
O passeio também pode presentear os viajantes com ariranhas, capivaras e uma ampla variedade de aves. “Cada vez mais, estrangeiros e brasileiros estão visitando [o local]”, diz o fotógrafo e guia Henrique Olsen.
A presença de possivelmente centena de turistas em torno de uma onça-pintada, durante os avistamentos, tem despertado indagações sobre o impacto do turismo à espécie. Com base em dados geográficos de cinco onças que usam colares de monitoramento, Fernando Tortato avalia que a área em que elas são fotografadas constitui apenas 20% do território que elas cobrem.
Os animais já estariam habituados, ele acredita. Mas há desafios pela frente para o ecoturismo. Recente, um estudo apontou que quase metade da população de onças-pintadas do Pantanal foi afetada diretamente pelos incêndios que devastaram a região em 2020.
No Pantanal de Mato Grosso, outra região em destaque é a de Cáceres, com destaque para a reservada estação ecológica Taiamã. Estudos preliminares apontam que a densidade de onças ali pode ser ainda maior que a de Porto —o acesso, no entanto, pode ser desafiador. Uma opção é ficar em um hotel em Cáceres, e de lá acertar um passeio de barco até a estação.
Mas o avistamento da onça não está apenas em Mato Grosso. A região de Aquidauana e Miranda, no Mato Grosso do Sul, oferece um outro lado do Pantanal, com passeios terrestres como os do refúgio ecológico Caiman, que tem uma parceria com a Onçafari há mais de uma década.
A iniciativa pioneira promove a conservação no Pantanal por meio de safáris fotográficos junto de onças que passaram por um longo período de habituação com os humanos. Desta forma, os animais não perdem suas características selvagens, mas deixam de enxergar os veículos como ameaça.
A maioria dos passeios é feita em carros de médio porte, com uma parte das onças sendo monitorada por colares para que os pesquisadores possam ter mais dados sobre suas atividades. “É como se fosse um laboratório aberto”, compara Roberto Klabin, proprietário da Caiman.
Fonte: Folha de São Paulo