A dengue, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, foi reintroduzida no Brasil no início da década de 80.
Digo reintroduzida uma vez que o mosquito havia sido eliminado no Brasil em 1955 e em grande parte das Américas nos anos 60. Isso aconteceu após campanhas intensas de controle iniciadas no Brasil com apoio da Fundação Rockefeller.
Ao longo dos anos, a dengue vem se expandindo geograficamente e surtos epidêmicos a cada dois ou três anos têm piorado em intensidade. Cerca de 76% dos casos de dengue reportados no Brasil desde o ano 2000 foram observados a partir de 2010.
Essa expansão geográfica da dengue não acontece apenas no território brasileiro. Atualmente, cerca de metade da população mundial em mais de 125 países vive sob o risco de uma infecção por dengue. Essa expansão foi impulsionada pelos padrões de urbanização e globalização.
As mudanças climáticas agravarão ainda mais a situação caso medidas de adaptação local não sejam adotadas e o aquecimento global não seja reduzido.
Os padrões de crescimento urbano no Brasil propiciam condições ideais para o Aedes aegypti. Segundo dados do Mapbiomas, de 1985 a 2021 as áreas urbanizadas triplicaram no Brasil, com expansão ainda maior de favelas, em especial em áreas de risco.
A falta de acesso regular a água obriga a população a usar recipientes, nem sempre cobertos, o que gera criadouros de mosquito. Áreas sem coleta de lixo regular também se tornam focos importantes para o Aedes. Ambos são problemas de falta de infraestrutura urbana.
Neste ano, o Brasil enfrenta outra epidemia de dengue. Já são quase 1,4 milhão de casos (até novembro) e 975 mortes. Como não há antivirais e tratamento específicos para a dengue, medidas se concentram em controle do mosquito e campanhas educacionais. Entretanto, essas medidas não têm sido suficientes para conter a expansão da dengue.
O desenvolvimento de uma vacina contra a dengue mudaria esse cenário. Dengvaxia, da farmacêutica Sanofi, foi a primeira vacina a ser aprovada em vários países, incluindo o Brasil.
Entretanto, essa vacina apresentou risco de efeitos adversos graves quando administrada em crianças não previamente infectadas. No Brasil, essa vacina foi utilizada apenas em alguns municípios do Paraná em 2016.
No último dia 8 a vacina Qdenga, desenvolvida pela farmacêutica Takeda, foi aprovada para uso na União Europeia. Em agosto essa vacina já havia sido aprovada para uso na Indonésia. Atualmente está sendo avaliada para uso nos Estados Unidos e no Brasil.
Qdenga é recomendada para pessoas com quatro ou mais anos de idade, administrada em duas doses com intervalo de três meses. Os ensaios clínicos foram feitos em oito países, incluindo o Brasil. Após quatro anos e meio de acompanhamento, a vacina preveniu 84% dos casos de internação por dengue e 61% dos casos sintomáticos.
A eventual aprovação da vacina para uso no Brasil e sua disponibilização no sistema de saúde não substitui as medidas de controle do mosquito uma vez que chikungunya e zika também são transmitidas pelo Aedes. Neste ano já foram reportados mais de 9.200 casos de zika, 42% no estado do Rio Grande do Norte, e cerca de 170 mil casos de chikungunya, 31% no Ceará. Não há vacinas aprovadas contra chikungunya e zika, mas há estudos clínicos em andamento.
Uma futura campanha de vacinação contra a dengue terá que ser acompanhada por ações educacionais para que a população não abandone medidas de prevenção de criadouros de mosquito.
Acima de tudo, a vacina não substitui a necessidade de melhoria de infraestrutura urbana. Condições de moradia dignas são uma questão de direitos humanos.