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terça-feira, 3 de dezembro de 2024 - 4:29 pm

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A informação essencial que falta em todas as vacinas para covid-19, segundo especialista italiana

Apesar de o mundo inteiro aguardar ansiosamente a vacina contra o coronavírus, a todas as candidatas atualmente patenteadas e em testes falta uma informação fundamental que assegura a eficiência do tratamento. Em nenhum dos casos é ainda possível saber a duração da imunidade no corpo humano, isso porque, como a doença é muito recente, não se pode analisar os efeitos de proteção ao longo do tempo.

É o que afirma a virologista e veterinária italiana Ilaria Capua, atual diretora do One Health Center of Excellence, da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos. Capua ficou famosa, em 2006, por ter isolado o vírus da gripe aviária e ter tornado o código de domínio público. Hoje, ela é uma das principais referências na Itália no debate sobre a covid-19, tema do seu último livro Il Dopo. Il vírus che ci ha costretto a cambiare mappa mentale (“O Depois. O vírus que nos obrigou a mudar o mapa mental”, em tradução livre), ainda sem previsão de publicação no Brasil.

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“Você faria uma vacina que dura um mês e que precisa ser tomada a cada mês? Certamente não. Digamos que o vírus começou a nos atingir de forma clara em março. Trabalharam dois meses para fazer a vacina e chegamos a maio. Inoculamos nos pacientes em junho, julho, e se passaram dois meses, ou seja, não se sabe quanto dura a imunidade. Até agora, o que dizem é que dura dois meses. Se durará quatro, se durará seis ou se durará um ano, isso ainda não sabemos. Portanto, me parece, que qualquer discurso é prematuro”, afirma.

Segundo a virologista, a duração da imunidade é importantíssima também por uma questão de custos. Como será necessário vacinar uma grande parcela da população mundial, a vacina não poderá ser excessivamente cara. Por isso, além de eficiente, precisa ser duradoura.

Falta de vacina não é único problema
Embora a vacina seja uma das principais preocupações dos cientistas hoje, para Capua, a pandemia impõe muitos outros temas que precisam ser discutidos e resolvidos.

“O que deveria fazer parte do debate público neste momento é o que faremos da próxima vez para evitar um caos deste tipo. Temos um plano? É preciso trabalhar as cidades. O que aconteceu em Milão não foi a mesma coisa que ocorreu em Roma, em Assis ou Perúgia. Em Nova York ocorreu algo diverso de Tallahassee, diferente ainda de Houston. É preciso procurar entender quais são as fragilidades, não somente do vírus, mas da nossa organização. Porque estamos batendo a cabeça contra as características do vírus, que são importantes, mas o vírus faz o (papel de) vírus, a pandemia é feita por nós. A pandemia são as pessoas levando o vírus ‘para passear’, não se comportando bem e insistindo em viver do modo que vivíamos antes.”

Ela também acredita que é necessário melhorar a eficiência da comunicação entre o mundo científico, governos e sociedade.

“Há 30 anos, trabalho neste campo e, como eu, várias outras pessoas. Podem nos dizer tudo, menos que não avisamos. Em 2010, falei sobre a chegada de uma pandemia em um TED em Como (cidade ao norte da Itália). E não foi só Ilaria Capua que falou sobre isso. Bill Gates falou, e ninguém ligou. Então, é claro que é preciso tornar essa comunicação eficiente, fazer um trabalho melhor.”

Questionada sobre se a demora da China em avisar o mundo sobre o vírus também teria sido um problema de comunicação que teria ajudado à pandemia, ela argumenta: “Não me permito criticar as autoridades chinesas porque entender o que estava acontecendo em um país tão grande, com 1,4 bilhão de habitantes, onde a desigualdade é assustadora e, ainda por cima, tendo a recordação da Sars… Na época da Sars (2002-2003), quando os chineses anunciaram a doença, erraram o vírus, disseram que era causada por um paramyxovirus e fizeram um papelão. Então, melhor que dizer uma coisa pela outra, talvez desta vez tenham esperado uma semana a mais.”

Capua também não critica o papel da Organização Mundial da Saúde (OMS) no início da condução da crise.

“Dizem que a OMS seria ligada a China. Eu acredito que o mesmo problema teria ocorrido (se o vírus tivesse se manifestado primeiro) na Itália ou em qualquer outro lugar. Seriam necessários meses para entender o que estava acontecendo. Mas posso dizer que o fato de os Estados Unidos quererem se desfiliar da OMS, com certeza, não ajuda no balanço geral.”

Para a virologista, o papel de uma instituição supranacional como a OMS na coordenação de ações internacionais durante uma pandemia é fundamental, mas a instituição efetivamente precisa ser repensada porque, ao longo da crise, teria demonstrado algumas fragilidades.

‘Pandemia não é meteoro’

O debate sobre os temas é urgente e necessário porque, como Capua e vários outros cientistas em todo o mundo afirmam, ocorrerão outras pandemias no futuro.

“As pandemias acontecem, não são como o meteoro que acabou com os dinossauros. Durante o século passado, de 1900 a 1999, ocorreram quatro pandemias. No início deste século, apareceram cinco ou seis vírus potencialmente pandêmicos. Uns circularam, mas pararam — como a SARS, a zika, a gripe aviária —, e outros não pararam, como a covid-19 e a gripe suína. O grande problema desta pandemia é que ninguém tinha um grama de imunidade, enquanto em outras pandemias havia um pouco de imunidade cruzada de outros vírus que passaram antes.”

A cientista afirma ainda que, embora as perdas registradas até o momento já tenham transformado a covid-19 em uma enorme tragédia, a situação poderia ser ainda pior. Apesar de o Sars-Cov-2 ser um vírus totalmente novo no ser humano, ele não está entre os mais agressivos. “Digamos assim: se no lugar da covid-19, tivesse sido a vez da espanhola, sem uma vacina, estaríamos muito pior do que estamos agora.”

Sobre o aumento no número de contágios na Europa, a virologista diz ter esperança de que não ocorra uma verdadeira segunda onda.

“Se falamos daquilo que eu entendo por segunda onda, quer dizer uma volta dos casos clínicos graves que requerem internamento em UTI, eu sou otimista. Antes de tudo porque existem muito mais leitos de UTI agora. Segundo porque as pessoas idosas e as pessoas de grupo de risco entenderam a situação e estão mais atentas. Mas certamente haverá focos de disseminação da doença.”

Já no caso do Brasil e dos Estados Unidos, ela não fala em segunda onda.

“Para existir uma nova onda se pressupõe que tenha ocorrido uma freada nos contágios e, nesses dois países, isso não ocorreu. O presidente do Brasil e o dos Estados Unidos decidiram que não precisava fazer nada e, então, o vírus fez o que o vírus faz.”

Cisne negro
Outro problema que a difusão do coronavírus teria deixado claro, segundo Capua, é a relação predatória do homem com a natureza e o quanto ela pode ser nociva à própria humanidade, já que a SARS-Cov-2 é uma zoonose que teria saltado entre espécies de mamíferos até chegar ao homem devido ao contato invasivo com a fauna selvagem. Mesmo assim, a virologista italiana tem uma visão otimista do futuro, fato que revela no seu último livro quando rotula a pandemia de “cisne negro” (evento raro).

“A pandemia é cheia de energia destrutiva, mas também de energia regenerativa. Precisamos ser capazes de colher e transmitir essa energia positiva. Como existiam tantas coisas no mundo anterior que não gostávamos, podemos pensar em deixá-las para trás e tentar fazer as coisas em modo diverso. No meu campo de atividade, refiro-me a encontrar um equilíbrio entre saúde humana, saúde dos animais e saúde das plantas. Enfim, saúde do complexo ambiental.”

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