O vírus da hepatite C, cuja descoberta foi premiada nesta segunda-feira (5) pelo Prêmio Nobel de Medicina, é responsável por uma inflamação no fígado que progride em silêncio. A doença pode se tornar crônica antes de, muitas vezes, levar à cirrose e ao câncer, e, também, à morte. Apesar de não haver vacina contra a infecção, a doença tem tratamento (veja detalhes mais abaixo nesta reportagem).
Qualificada pelo júri do Nobel como um “grande problema de saúde global”, a hepatite C matou 400 mil pessoas em 2015 – e, naquele ano, 71 milhões tinham a doença em sua forma crônica – o equivalente a 1% da população mundial, estima a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Foto mostra painel do comitê do Prêmio Nobel, nesta segunda-feira (5), com informações sobre hepatite viral – as imagens mostram a diferença entre um fígado saudável, um com hepatite crônica, um com cirrose e um com carcinoma hepatocelular, um típo de câncer no órgão. A Academia Sueca concedeu o Prêmio Nobel em Medicina aos três cientistas responsáveis pela descoberta do vírus da hepatite C. — Foto: Jonathan Nackstrand / AFP
Apenas um paciente em cada cinco (19%) tem conhecimento da sua doença, devido ao acesso muito limitado ao rastreio e diagnóstico, acrescenta a OMS.
Na França, estima-se que quase uma em cada três pessoas não sabe que está infectada, segundo o Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm, na sigla em francês).
Após uma fase de infecção aguda, geralmente assintomática, uma minoria dos pacientes (15% a 45%) elimina o vírus espontaneamente, mas na grande maioria ele se instala nas células do fígado e a doença assume uma forma crônica.
Quando aparecem, os sintomas costumam ser cansaço, tontura, febre, mal-estar, enjoo, vômitos, dor abdominal, pele e olhos amarelados, urina escura e fezes claras.
No entanto, a hepatite C permanece em silêncio por muito tempo: evolui por 10, 20 ou 30 anos antes que surjam complicações graves, como cirrose ou câncer de fígado. Segundo a OMS, entre os pacientes crônicos, o risco de cirrose hepática é de 15% a 30% em um período de 20 anos.
A doença é transmitida, principalmente, pelo sangue. As transfusões já foram um grande modo de contaminação, mas, desde o desenvolvimento de um teste de triagem, o contágio por essa forma foi reduzido a praticamente zero.
Hoje, a OMS estima que 23% das novas infecções e 33% das mortes pelo vírus da hepatite C (VHC) são atribuíveis à injeção de drogas com equipamento não esterilizado.
O vírus também pode ser transmitido durante tatuagens ou piercings com equipamentos sujos ou durante o sexo e de uma mãe infectada para seu filho.
Tratamento
Foto mostra painel do comitê do Prêmio Nobel, nesta segunda-feira (5), com a imagem de um fígado e de tratamentos antivirais eficazes contra a hepatite C. A Academia Sueca concedeu o Prêmio Nobel em Medicina aos três cientistas responsáveis pela descoberta do vírus que causa a doença. — Foto: Jonathan Nackstrand/AFP
O tratamento da hepatite C foi revolucionado na virada da década de 2010 com a chegada de novos tratamentos antivirais de “ação direta”, capazes de eliminar o vírus em poucos meses em mais de 95% das pessoas infectadas, em especial o sofosbuvir, comercializado pelo laboratório Gilead sob o nome de Sovaldi.
Esses novos tratamentos fazem da hepatite C “a única doença viral crônica que pode ser curada”, destaca o Inserm. Desde o seu surgimento, a hepatite C vem diminuindo constantemente nos países com acesso ao tratamento.
Na França, 193 mil pessoas tinham hepatite C crônica em 2016, em comparação com 232 mil em 2011. No Brasil, um modelo matemático desenvolvido em 2016 estimava que cerca de 657 mil pessoas tinham infecção ativa pelo vírus da hepatite C, segundo o Ministério da Saúde. O tratamento para a doença está disponível no SUS.
Em outras partes do mundo, sua distribuição é, no entanto, prejudicada por seu alto custo, mesmo que os preços tenham caído acentuadamente nos últimos anos com a introdução de versões genéricas.
No final de 2017, apenas 5 milhões de pessoas entre 71 milhões de doentes crônicos haviam sido tratadas com antivirais de ação direta – muito longe da meta da OMS de tratar 80% das pessoas infectadas até 2030.
“Para atingir esse objetivo” e, assim, erradicar a hepatite C, “são necessários esforços internacionais para facilitar os testes de triagem e tornar os medicamentos antivirais acessíveis em todo o mundo”, enfatizou o comitê do Nobel nesta segunda-feira.
Ao todo, existem cinco tipos de hepatite: A, B, C, D, e E. Há vacinas contra dois deles: A e B (no Brasil, elas são cobertas pelo SUS). Para o tipo E, há uma imunização desenvolvida e licenciada na China, mas que não está disponível em todo o mundo, segundo a OMS. O tipo D só pode infectar uma pessoa que já tenha o vírus da hepatite B no corpo.
Prevenção
O Ministério da Saúde recomenda as seguintes medidas para prevenir a contaminação pela doença:
- Não compartilhar com outras pessoas qualquer objeto que possa ter entrado em contato com sangue (seringas, agulhas, alicates, escova de dente etc.);
- Usar preservativo nas relações sexuais;
- Não compartilhar quaisquer objetos utilizados para o uso de drogas.
Além disso, toda mulher grávida precisa fazer, no pré-natal, os exames para detectar as hepatites B e C, o HIV e a sífilis. Em caso de resultado positivo, é necessário seguir todas as recomendações médicas. O tratamento da hepatite C não está indicado para gestantes, mas após o parto a mulher deverá ser tratada.
As pessoas que têm o vírus devem:
- ter seus contatos sexuais e domiciliares e parentes de primeiro grau testados para hepatite C;
- não compartilhar instrumentos perfurocortantes e objetos de higiene pessoal ou outros itens que possam conter sangue;
- cobrir feridas e cortes abertos na pele;
- limpar respingos de sangue com solução clorada;
- não doar sangue ou esperma.
Pessoas com hepatite C podem participar de todas atividades, incluindo esportes de contato. Também podem compartilhar alimentos e beijar outras pessoas.