O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e sua mulher, a dentista Fernanda Antunes Bolsonaro, acabam de comprar uma mansão de quase R$ 6 milhões em Brasília, revelou o site Antagonista.
O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro pagou parte do imóvel com um empréstimo de R$ 3,1 milhões no Banco de Brasília (BRB), instituição pública sob autoridade do governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha, que mantém boa relação com o governo federal.
O novo patrimônio é mais de três vezes o declarado pelo senador na eleição de 2018 (R$ 1,74 milhão).
O Ministério Público do Rio de Janeiro acusa o senador de ter enriquecido ilicitamente desviando recursos do seu antigo gabinete de deputado estadual, com um esquema de “rachadinha” em que parte do salário dos servidores era devolvido a Flávio. Ele nega as acusações e se diz perseguido por ser filho do presidente.
“A casa adquirida pelo senador Flávio Bolsonaro em Brasília foi comprada com recursos próprios, em especial oriundos da venda de seu imóvel no Rio de Janeiro”, diz nota do senador.
“Mais da metade do valor da operação ocorreu por intermédio de financiamento imobiliário. Tudo registrado em escritura pública. Qualquer coisa além disso é pura especulação ou desinformação por parte de alguns veículos de comunicação”, afirma ainda o comunicado.
Entenda melhor a seguir a nova operação imobiliária do parlamentar e como anda o caso da “rachadinha”.
1. Quais as condições do empréstimo milionário?
A escritura do imóvel obtida pelo site Antagonista indica que ele foi comprado por R$ 5,97 milhões, dos quais R$ 3,1 milhões foram financiados pelo BRB.
O empréstimo foi parcelado em 360 meses, com “taxa de juros nominal reduzida de 3,65% ao ano”, condições melhores do que o mercado costuma oferecer.
Simulação de crédito no site do BRB realizada pela BBC News Brasil com os mesmos valores da operação de Flávio Bolsonaro e correção pelo IPCA indica que seria preciso uma renda líquida de ao menos R$ 46.436,18 para conseguir o financiamento, com a parcela inicial de R$ 18.574,47.
Como senador, Flávio tem salário bruto de R$ de R$ 33.763,00. Já a renda líquida é de R$ 24,9 mil.
O presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, é um dos nomes que têm sido cotados para substituir André Brandão no comando do Banco do Brasil, segundo o portal Metrópoles.
A BBC News Brasil questionou a assessoria de Flávio sobre qual a renda do casal, mas não obteve ainda retorno do parlamentar. O senador disse em vídeo no seu Instagram que o financiamento foi aprovado de acordo com o rendimento familiar, sem dar detalhes sobre a renda da sua mulher.
“A maior parte do valor dessa casa está sendo financiada num banco, numa taxa que foi aprovada conforme o rendimento familiar, como qualquer pessoa no Brasil pode fazer”, afirmou o senador.
Na gravação, ele reclamou também da exposição do seu endereço pela imprensa e disse que solicitou segurança extra ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
“Em função disso, já oficiei o GSI, que é o órgão responsável aqui no governo pela segurança da família do presidente, para que intensifique a segurança aqui no entorno da minha residência”, contou.
“Está tudo redondinho, dentro da lei, e sem problema nenhum”, disse ainda, ao final do vídeo.
2. Como é a mansão?
O imóvel fica no Setor de Mansões Dom Bosco, no Lago Sul, área nobre de Brasília, com 2,4 mil m², dois pavimentos, jardim e piscina, dentro de um condomínio com apenas três casas e “segurança armada 24 horas na guarita”, segundo anúncio de uma imobiliária reproduzido pelo site Antagonista.
O piso inferior tem “salas de estar e de jantar com pé direito duplo, escritório, lavabo, home-theater, cozinha, espaço gourmet com ampla varanda, despensa, lavanderias coberta e descoberta, duas dependências completas para empregadas e quarto de motorista”.
Já o piso superior oferece “sala e copas íntimas, uma brinquedoteca, quatro suítes amplas, sendo a máster com hidromassagem para o casal, closet e academia”.
“Na área externa, piscina e spa com aquecimento solar, iluminação em led e deck, banheiros do espaço gourmet, depósito, quatro vagas de garagem cobertas e mais quatro descobertas”, dizia ainda o anúncio, desativado após a compra.
3. Qual era o patrimônio do senador até então?
Flávio Bolsonaro declarou em 2018 à Justiça Eleitoral ter um patrimônio de de R$ 1,74 milhão. O montante incluía um apartamento na Barra da Tijuca no valor de R$ 917 mil, salas comerciais no mesmo bairro no valor de R$ 150 mil, além de aplicações e investimentos de R$ 558.200 e um carro Volvo XC 2014 de R$ 66.500.
Havia ainda R$ 50 mil referentes a sua participação em uma loja de chocolates, recentemente vendida pelo senador.
Segundo reportagem da revista Época que analisou a declaração de bens de Flávio ao longo de várias eleições, seu patrimônio “cresceu 397,1% entre 2006 e 2018, intervalo de 12 anos em que o filho do presidente Jair Bolsonaro exerceu três de seus quatro mandatos como deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj)”. No período analisado, as posses do hoje senador passaram de R$ 385 mil para R$ 1,74 milhão.
4. Como está o caso da rachadinha?
A investigação contra o filho do presidente começou em 2018, quando um relatório do antigo Coaf, órgão rebatizado para Unidade de Inteligência Financeira (UIF), apontou movimentações suspeitas na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e amigo pessoal de Jair Bolsonaro.
Esse relatório deu origem a uma investigação do Ministério Público sobre um possível esquema de rachadinha no antigo gabinete de Flávio na Alerj, operado por Queiroz, em que eram contratados com dinheiro público funcionários fantasmas que devolviam quase a totalidade de seus salários.
Os promotores dizem ter levantado provas de que esse dinheiro era usado por Queiroz para pagar na boca do caixa contas da família de Flávio, como boletos do plano de saúde ou da mensalidade escolar das filhas. Além disso, afirmam que parte do recurso desviado era lavado através do investimento em imóveis e por meio de uma loja de chocolate que o senador possui em um shopping no Rio de Janeiro.
Essa apuração culminou no início de novembro em uma denúncia criminal contra Flávio, Queiroz e mais 15 pessoas. O senador e seu antigo assessor são acusados dos crimes de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita — a Justiça ainda decidirá se aceita a denúncia e os transforma em réus.
Além disso, em junho Queiroz foi preso por decisão do juiz Itabaiana, que considerou que o investigado estava atuando para atrapalhar a apuração do Ministério Público. Ele depois passou para prisão domiciliar, por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.
Queiroz nega as acusações e diz que recolhia parte dos salários para conseguir contratar mais pessoas para atuar pelo mandato de Flávio no Estado do Rio de Janeiro. Já o hoje senador afirma que não tinha conhecimento do que seu ex-assessor fazia e nega ter sido beneficiado pelo esquema. Ele também se diz perseguido politicamente pelo Ministério Público.
No momento, o andamento da denúncia está parado, enquanto recursos do senador são analisados no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
No último dia 23 de fevereiro, a Quinta Turma do STJ anulou a quebra de sigilo fiscal e bancário de Flávio por considerar que a decisão não foi bem fundamentada pelo antigo juiz do caso em primeira instância, Flávio Itabaiana.
Ainda cabe recurso do MP contra essa decisão, mas, se a anulação for mantida, os promotores também poderão pedir novamente a quebra.
Outro recurso que o STJ ainda vai analisar pode ter consequência mais importante para o andamento do caso — a Quinta Turma vai decidir se houve alguma ilegalidade no compartilhamento de dados entre o antigo Coaf e o Ministério Público. Caso esse recurso do senador seja aceito, a investigação pode vir a ser integralmente anulada.
Além disso, há um recurso no STF, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, para definir o foro de julgamento do senador. Seu caso começou tramitando em primeira instância, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu que a denúncia deve ser analisada em segunda instância, retirando o caso da vara do juiz Flávio Itabaiana.
O MP recorreu contra a decisão do TJ-RJ, argumentando que ela contraria decisão de 2018 do STF que restringiu o foro privilegiado.